– POR ROGÉRIO ALVAREZ DE OLIVEIRA
O Estatuto da Pessoa com Deficiência, instituído pela Lei 13.146/15, que entrou em vigor em 2/1/2016, modificou dispositivos do Código Civil que tratavam da capacidade civil. Seus artigos 114 e 123, inciso II, revogaram os incisos do artigo 3º do CC e alteraram seu caput, como também modificaram os incisos II e III do artigo 4º do CC.
Agora, apenas as pessoas menores de 16 anos são absolutamente incapazes, sendo considerados relativamente incapazes (a) as pessoas entre 16 e 18 anos, (b) os pródigos, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos e (c) aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade.
A curatela da pessoa com incapacidade para os atos da vida civil passou a se restringir aos atos negociais e patrimoniais. Anteriormente, a interdição poderia ser total ou parcial, conforme achava-se estatuído no artigo 1.772 do CC, já revogado. Agora, o juiz concederá a curatela e indicará os atos para os quais a mesma será necessária, não havendo mais que se falar em curatela parcial ou total. Assim, nos termos do artigo 755 do Código de Processo Civil, o juiz nomeará curador e fixará expressamente os limites da curatela, não podendo mais declarar genericamente que esta será total ou parcial, até mesmo porque a incapacidade absoluta agora se restringe aos menores de 16 anos.
O tema, portanto, passou a ser disciplinado tanto no Estatuto da Pessoa com Deficiência como no Código Civil, havendo, ainda, dispositivos no Código de Processo Civil a respeito do procedimento da curatela/interdição.
Nomeado o curador e fixados os limites da curatela pelo juiz, caberá ao primeiro exercitá-la na forma da lei, incumbindo-lhe, desde logo, prestar compromisso por termo em cartório (artigo 759, parágrafo 1º, novo CPC), bem como prestar caução bastante (artigo 1.745, c.c. artigo 1.774, ambos do CC), que poderá ser dispensada se o patrimônio não for de valor considerável ou o curador for de reconhecida idoneidade (parágrafo único do artigo 1.745).
Quanto aos atos a serem praticados no exercício da curatela, as principais regras vêm disciplinadas no Código Civil, aplicando-se a esse instituto as mesmas disposições a respeito da tutela, conforme estatuído no artigo 1.781 do CC, ou seja, aquelas previstas nos artigos 1.740 e seguintes, no que couber, com exceção do artigo 1.772. Alguns dos atos poderão ser praticados diretamente pelo curador sem autorização judicial, enquanto outros dependerão de aval do juízo da interdição.
Em breve resumo, competirá ao curador, independentemente de autorização judicial, representar o curatelado nos atos da vida civil, receber as rendas e pensões, fazer-lhe as despesas de subsistência, bem como as de administração, conservação e melhoramentos de seus bens.
Por outro lado, somente mediante autorização judicial, competirá ao curador pagar as dívidas existentes, aceitar pelo curatelado heranças, legados ou doações, transigir, vender-lhe os bens móveis e os imóveis, propor ações em juízo ou representar o incapaz nas já existentes, adquirir por si, ou por interposta pessoa, mediante contrato particular, bens móveis ou imóveis pertencentes ao incapaz, dispor dos bens deste a título gratuito, constituir-se cessionário de crédito ou de direito contra o incapaz.
Além disso, os curadores não podem conservar em seu poder dinheiro dos curatelados além do necessário para as despesas ordinárias com seu sustento e administração de seus bens (artigo 1.753 do CC), devendo eventuais valores decorrentes de objetos e móveis serem convertidos em títulos ou obrigações e recolhidos ao estabelecimento bancário oficial ou aplicado na aquisição de imóveis, conforme for determinado. O mesmo destino deverá ter o dinheiro proveniente de qualquer outra procedência (parágrafo 2º do referido artigo 1.753).
Isso significa que o curador não terá a livre movimentação de contas bancárias e ativos financeiros do curatelado, tendo acesso somente às rendas existentes, provenientes de benefícios previdenciários ou salários, que deverão ser utilizados para as despesas ordinárias. Em havendo sobras, estas deverão ser depositadas em conta bancária. Esse é o entendimento que se faz da análise sistemática dos artigos 1.747 e 1.753 do Código Civil, c.c. artigos 1.774 e 1781 do mesmo código.
Os valores que existirem em banco oficial, ou seja, depositados em conta judicial, somente poderão ser levantados por ordem judicial para as despesas com o sustento do incapaz, desde que devidamente comprovadas, ou para administração de seus bens, dentre outros, nos termos do artigo 1.754 do CC. As movimentações e os ativos financeiros de titularidade do curatelado somente podem ocorrer mediante prévia autorização do juízo da interdição, nos termos dos artigos 1.748 e 1.754 c.c. os artigos 1.774 e 1.781, todos do Código Civil.
Por último, o curador deverá apresentar balanços anuais e prestar contas a cada dois. Esta obrigação tem previsão legal (artigos 1.755, 1.756 e 1.757, c.c. artigo 1.774, todos do Código Civil e artigo 84, parágrafo 4º, da Lei 13.146/15), sendo inerente ao próprio exercício da administração de coisas alheias, não podendo ser dispensada sob o fundamento de idoneidade dos curadores, principalmente em razão da existência de bens, com patrimônio cuja gestão deve ser fiscalizada em benefício do incapaz.
Com relação à idoneidade dos curadores, que comumente vem sendo alegada para a dispensa da obrigação de prestar contas, tal condição somente é aplicável à exigência de caução, nos termos do artigo 1.745, parágrafo único do Código Civil (“Se o patrimônio do menor for de valor considerável, poderá o juiz condicionar o exercício da tutela à prestação de caução bastante, podendo dispensá-la se o tutor for de reconhecida idoneidade”).
Ainda quanto à obrigação de prestação das contas, conquanto prevista a ressalva do artigo 1.783 do Código Civil (“Quando o curador for o cônjuge e o regime de bens do casamento for de comunhão universal, não será obrigado à prestação de contas, salvo determinação judicial”), subsiste a possibilidade da exigência em razão de determinação judicial.
Por outro lado, o citado artigo 84, parágrafo 4º, do Estatuto da Pessoa com Deficiência também prevê essa obrigação e não faz qualquer ressalva quanto à possibilidade de dispensa. Notadamente, a obrigação de prestar contas do exercício da curatela é indisponível, nos termos do artigo 763, parágrafo 2º, do CPC.
Em havendo remoção ou substituição do curador, persistem as obrigações estipuladas na sentença acerca do exercício da curatela.
Ao Ministério Público, por fim, incumbe velar pelo bem-estar do incapaz, fiscalizando o exercício da curatela e supervisionando as contas apresentadas, podendo apresentar, para esse fim, impugnação à prestação de contas, exigir sua complementação, além de esclarecimentos e, até mesmo, em último caso, a remoção do curador, nos termos do artigo 761 do CPC.
*Rogério Alvarez de Oliveira é promotor de Justiça e integrante do Movimento do Ministério Público Democrático.
Fonte: Conjur