Proibida desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, a troca de cartórios entre tabeliães – conhecida como “permuta” – continuou a ser praticada no Espírito Santo. A chamada Lei dos Cartórios (Lei nº 8.935/1994) convalidou as permutas ilegais efetuadas até novembro de 1994. No entanto, seus efeitos continuam em vigor até hoje. Um caso exemplifica bem a situação, de um cartório de registro de imóveis em Vila Velha, cujo faturamento ultrapassa a casa dos R$ 20 milhões anuais.
Em maio de 1989, a tabeliã Perina Chiabai Martins, então titular do Cartório de Registro de Imóveis da 1ª Zona de Vila Velha, permutou com Paulo Roberto Siqueira Viana para o Cartório do 2º Ofício de Notas do mesmo município.
Em novembro de 1999, Perina aposentou-se compulsoriamente das funções – na época, aos titulares de cartórios, aplicava-se o regime de aposentadoria dos funcionários públicos, cuja idade limite para aposentar-se era de 70 anos. Com a aposentadoria de Perina, Rafael Viana, filho de Paulo Viana, passou a responder interinamente pelo Cartório de Notas. Dessa forma, o filho lavrava as escrituras e o pai registrava – quando Perina fez a “permuta” com Paulo Viana, o filho, Rafael Viana, ficou no Cartório de Notas como substituto da Perina pelo tempo que esta ocupou o cartório permutado.
Em maio de 2011, a tabeliã Gerusa Corteletti Ronconi foi removida, por meio de concurso próprio, para o Cartório do 2º Ofício de Notas de Vila Velha, contrariando os interesses dos Viana, que ansiavam pela efetivação de Rafael no cartório que ocupava.
A tabeliã Gerusa, no ano de 1988, havia permutado com o Cartório de Registro Civil e Tabelionato de Araçatiba (em Viana), com a mãe, Edith Corteletti Ronconi, para o Cartório do Registro Civil da Sede de Itacibá (em Cariacica), através do Ato nº 1979/1998 – publicado em julho daquele ano. Portanto, em maio de 2011, ocorre a segunda permuta por parte de Gerusa, mas, dessa vez, por meio de concurso.
Movimentação Milionária
Em números atuais, a diferença de remuneração entre os dois cartórios de Vila Velha chega a quase 800%. Somente no ano passado, o Cartório de Registro de Imóveis da 1ª Zona de Vila Velha – até hoje sob comando de Paulo Viana – arrecadou R$ 20,12 milhões em atos praticados. Enquanto isso, o Cartório do 2º Ofício de Notas – comandado por Gerusa Ronconi – faturou R$ 2,53 milhões, quase oito vezes menos.
Esse perfil de arrecadação se mantém ao longo dos anos. Desde o início de 2005, quando as informações sobre o faturamento de cartórios passou a ser divulgada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a diferença de arrecadação dos cartórios envolvidos na permuta chega a quase R$ 180 milhões. Enquanto o antigo cartório de Perina arrecadou R$ 26,7 milhões ao longo de 14 anos, o cartório que ela repassou a Paulo Viana faturou R$ 206,27 milhões no mesmo período. Valores que são totalmente desproporcionais, tendo em vista que um dos atrativos de uma serventia extrajudicial é justamente a sua arrecadação.
Com a permuta, Perina, às vésperas da aposentadoria compulsória em 1999, simplesmente abriu mão do cartório mais lucrativo em favor de Paulo Viana, que hoje não tem mais qualquer decisão ou liminar judicial que o sustente no cargo. O Cartório do Registro de Imóveis da 1ª Zona de Vila Velha é uma das serventias que foram declaradas como “vagas” no Estado, ou seja, devem ser preenchidas por um tabelião aprovado em concurso de público de remoção, tendo em vista que está vago desde 1999.
Preenchimento Prejudicado
Essas manobras prejudicam o preenchimento das vacâncias – dos quatro cartórios envolvidos apenas um foi provido por meio de concurso, conforme obriga a Constituição. Desde a época das permutas ilegais, no final da década de 1990, o Tribunal de Justiça do Estado (TJES) lançou três editais de concursos para cartórios – nos anos de 2006, 2009 e 2013. As manobras impediram que o Cartório de Registro de Imóveis de Vila Velha fosse oferecido no concurso de 2009.
Até a conclusão da atual seleção, Paulo Viana segue como interino. Para o Conselho Nacional de Justiça, os interinos devem ter sua remuneração limitada ao teto do funcionário público. Mas isso não está sendo aplicado a Paulo Viana.
A Corregedoria do Tribunal de Justiça tem sido implacável com os demais interinos na obediência ao teto e consequente repasse do excedente ao Fundo Especial do Poder Judiciário FUNDEPJ, engordando as fontes de receita do Judiciário capixaba, conforme reportagem publicada por Século Diário. O TJES ao analisar o processo nº 0006517-03.2015.8.08.0000 decidiu que, mesmo na interinidade, Paulo Viana deve receber a totalidade dos emolumentos, sem a limitação do teto salarial.
Na próxima reportagem, o jornal Século Diário vai revelar que, na esteira das permutas, os cartórios interinos movimentam dezenas de milhões de reais todos os anos.